Celas devem conter apenas criminosos condenados ou acusados perigosos


Pego em flagrante ao tentar roubar uma padaria em maio, desde então, Nélio (nome fictício) aguarda julgamento em uma cela do Centro de Remanejamento de Presos da Gameleira, em Belo Horizonte. Mas ele pode ser solto nas próximas horas. 

Nélio é um dos quase 220 mil presos provisórios que podem ser beneficiados pela Lei 12.403, em vigor a partir de hoje. Com efeito retroativo, a norma determina, entre outras coisas, que a prisão preventiva só deve ser decretada em caso de crimes hediondos - homicídios e estupros, por exemplo - e com penas superiores a quatro anos. Para os demais casos, o juiz deve substituir a prisão por outra medida alternativa, como pagamento de fiança, monitoramento eletrônico ou o comparecimento periódico do acusado diante da Corte até a data do julgamento.

Esta última opção é a que o advogado Adilson Rocha vai propor para Nélio ainda hoje, em recurso judicial. "Meu cliente é réu primário. Vou pedir a substituição de sua prisão por uma medida cautelar, o comparecimento diário dele ao fórum e a obrigação de se recolher ao domicílio no horário noturno", diz Rocha, que também é presidente da Comissão de Assuntos Penitenciários da Ordem dos Advogados do Brasil. Rocha elogia a nova lei. "Agora, o juiz terá de fundamentar a prisão preventiva em até 24 horas", diz o advogado, lembrando que, até ontem, quem fosse preso em flagrante cometendo crime aguardaria o julgamento na cadeia.
 
Reação. Publicada em maio, a Lei 12.403 inicialmente causou uma reação negativa entre alguns policiais e juristas, que falavam em impunidade. Contudo, o secretário de Assuntos Legislativos do Ministério da Justiça, Marivaldo Pereira, diz que isso não vai acontecer.

"A lei apenas dá ao juiz mecanismos para assegurar a ordem pública e regular o andamento da Justiça, aplicados contra pessoas que ainda não foram julgadas, mas que já estão presas. Todas essas pessoas, quando forem condenadas, terão de pagar pelos crimes. Não há impunidade", diz Pereira.

O defensor público Flávio Rodrigues concorda e destaca ainda que não haverá soltura em massa de presos, muito menos daqueles de alta periculosidade. "Acredito que vamos levar seis meses para revisar todas as prisões provisórias. Mas a maioria desses casos é de traficantes e homicidas. Esses vão continuar presos", garante o defensor.



Juízes criticam falta de preparo do Estado para adotar a norma
Desembargador do Tribunal de Justiça de Minas Gerais, Doorgal de Andrada afirma que a maioria dos presos que podem ser beneficiados pela Lei 12.403 dificilmente ficaria na prisão mesmo se fosse condenada. "Se aplica a crimes com penas de até quatro anos de prisão. Nesses casos, a legislação já prevê penas alternativas, como serviços comunitários", diz. 

Andrada, entretanto, diz que algumas das medidas cautelares propostas são difíceis de serem executadas. "Nem o Executivo nem o Judiciário, ao contrário de outros países, têm a figura do oficial de monitoramento, um grupo de acompanhamento treinado para checar de surpresa essas prisões domiciliares e serviços obrigatórios", conta.

Mesma opinião tem a juíza Maria Isabel Fleck, da 1ª Vara Criminal do fórum de Belo Horizonte. "A lei é boa, mas, para entrar em vigor, deveria ter ferramentas para monitorar aqueles que forem libertados. Como vamos vigiá-los?", questiona. (MF)

Monitorar é "determinação impossível"
Uma alternativa à prisão provisória é o monitoramento eletrônico. Mas, se um juiz mineiro optar pela medida hoje, não será acatado. "É uma determinação impossível", diz o secretário de Defesa Social de Minas, Lafayette Andrada. Segundo ele, o Estado está comprando tornozeleiras eletrônicas, mas as primeiras só chegam em setembro. "Acredito que a medida cautelar mais adotada será a fiança", diz, admitindo que a nova lei vai reduzir a superlotação dos presídios mineiros, que têm mais de 46 mil presos para 28 mil vagas. (MF)


 

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